Ao abrir os olhos, Ana constatou que a paisagem não mudara nada. A areia branca e fofa, quase translúcida ao banho de lua, movia-se lentamente, através do leve vento que soprava; essa aparênciado Hueco Mundo transmitia sensações ruins para Ana. A principal era a de vazio.
Estava ajoelhada em meio à um monte de areia, o qual não lembrava como chegou; naquele lugar, era possível enchergar um pouco além das grandes dunas, mas por mais que procurasse, não havia nada além da areia.
"Se ao menos houvessem miragens", ela pensou, "não seria tão doloroso conviver em um lugar como esse". "É um lugar morto", ela refletia. Tinha consciência de que estava morta, e das mudanças de seu corpo; sentia-se sozinha, abandonada, e parecia que seus sentimentos negativos estavam superando os positivos dentro de seu coração. "Mas que coração?", ela se questionava. "Agora tenho esse buraco no peito, que parece ter engolido meus sentimentos bons", isto é, se eles ainda existissem.
Ana se perguntava como havia chegado lá; tentava aproximar-se das memórias que chegaram à tona na semana anterior, mas parecia que havia um bloqueio neste caminho até elas. Ana percebia que algo, ou alguém, havia tomado sua consciência nos últimos dias, e se perguntava o por quê daquilo. "Não tenho mais minha família", ela pensava. "Sinto tantas saudades...".
Sentada e abraçada aos seus joelhos, Ana chorou. Um choro tímido, quieto, que foi se transformando em um choro de desespero, que resplandecia e mostrava a dor profunda que tomara conta dela. As lágrimas corriam aos montes. Com o tempo, Ana acalmou-se e parecia que estava mais aliviada. Levantou sua cabeça, que estava em meio à seus joelhos, olhou para a frente e disse: "Preciso encontrar um sentido em viver aqui", e fitou o nada por alguns minutos.
No entanto, por estar distraída não percebeu a presença de um arrancar que se aproximava. Uma criaturinha pequena, do tamanho de uma criança, apareceu ao lado de Ana.
Ao virar-se para a direita, Ana viu aquela pequena criatura e perguntou:
- Quem é você?
O pequeno arrancar, timidamente respondeu:
- Bem, sou Adrian. Adrian era meu nome quando eu ainda estava vivo.
- Adrian? Você é pequeno. É uma criança? Lembra-se disso? - perguntou Ana.
- Acho que sim, respondeu Adrian. - Minhas últimas memórias são de quando eu tinha 7 anos. Mas não me lembro do momento de minha morte, respondeu Adrian.
Ana fitou-o em silêncio por alguns instantes. Indagou-se e refletiu pensando: "Será que é perigoso? Não, não deste tamanho... nem sendo uma criança"; "Será que deveria então protegê-lo? Não, não sou sua mãe... mas espere! Talvez este seja o sentido que eu estava procurando!"
- Adrian, você está sozinho? - perguntou Ana.
- Estou sim, por que? - ele respondeu.
- Ah, por nada. Por que veio em minha direção? - perguntou.
- Bem, você estava chorando... e quis ajudar consolar você. - ele respondeu.
- Me consolar? Ora, que atitude nobre. Mas, essa dor que sinto vai me acomoanhar por toda minha existência neste lugar. Aliás, você sabe o que é aqui? É o céu? Inferno? Purgatório? perguntou Ana.
- Não sei ao certo... Mas não é nem o céu, nem o inferno. Já estou há algum tempo aqui, mas não sei o quanto vou sobreviver - disse Adrian.
- Entendo. E aqui uns comem os outros, é isso? - perguntou Ana.
- Isso mesmo. - respondeu Adrian com expressão assustada. - Você não vai tentar me comer, não é? - perguntou.
- Não. Vou te proteger! - respondeu Ana, levantando-se da sua posição anterior, ficando de pé frente, demonstrando a grande diferença de altura frente à pequena soma corporal de Adrian. - Você é pequeno e indefeso, e nem que eu tenha que dar o resto de minha vida, irei proteger você! - falou Ana, pegando sua espada, que estava jogada no chão.
- Qual seu nome? - Adrian perguntou.
- É Ana. Ana Gajardo. E o seu?
- Adrian Scott Guiguelheim. - respondeu.
- Um nome forte! Prazer, Adrian. Vamos viver juntos daqui pra frente? - perguntou Ana.
- Sim, vamos! Não quero ficar mais sozinho. - Adrian correu e abraçou Ana, ficando alguns momentos naquela posição.
Andaram horas por aquele deserto sem fim, até encontrarem uma pequena caverna, localizada em uma duna um tanto alta, que os agradou como moradia. Pequena e úmida, Ana sabia que deveria tomar cuidado, pois poderia já ter morador.
- Adrian, espere aqui! - ordenou Ana, colocando-o cerca de 50m longe da caverna. - Fique quietinho aqui e não vá para a caverna sem eu ordená-lo!
- Tudo bem, tia Ana. Mas por que você quer ir sozinha? Por que não quer me deixar ir com você? - indagou Adrian.
- Aquela caverna é uma das poucas desta região, e provavelmente a única habitável. Provavelmente existe um morador lá. Preciso verificar isso sozinha, Adrian, entenda isso. Não vá lá enquando eu não ordenar! - falou Ana, ajoelhada em frente a Adrian e segurando a pequena mão direita dele.
- Tudo bem. Mas volte logo! - pediu Adrian.
- Pode deixar.
Ana aproximou-se com cautela daquela caverna; ela não ouvia nenhum ruído vindo daquele lugar nem parecia estar sendo habitada.
Faltando cerca de dois passos para chegar ao local, Ana é atacada por algo, que a empurra no chão com grande velocidade.
Enquanto a empurrava, aquilo dizia para Ana: "- Saia daqui ou vai virar comida!"
Espalhada pelo chão, e sem entender direito o que havia acontecido naquela fração de segundos, Ana virou-se para a direita, e avistou uma figura aterrorizante: de forma humanóide, a máscara remanescente estava localizada no braço direito daquela figura; parecia ser um arrancar.
Parado em frente à Ana, aquele ser fitava-a calmamente; parecia ser uma presa deliciosa, e por ser uma arrancar, acrescentaria em muito em sua força de luta.
- Está decidido. Vou te fazer minha presa.- afirmou o arrancar, apontando o dedo indicador direito para Ana.
- O que? Como assim? "Não, não posso morrer aqui"... "Mas Adrian está lá embaixo me esperando" - refletiu. - Por favor, deixe aquela criança ir embora ilesa daqui então, que poderás me fazer tua presa! - implorou Ana.
- Criança? Que criança? - e olhou para baixo, onde Adrian estava sentado. - Oh, claro! O deixarei ir sim, mas só depois de comer um pouquinho dele... afinal, você sabe o que dizem não é? Carne nova é sempre mais gostosa! Ha Ha ha! - e deu uma risada sinistra. - Você parece com uma mulher que conheci no México quando era vivo... ficava gritando por sua filha, dizendo: "Não matem minha filha, não a matem!", Ha Ha Ha! Era tão engraçado ver aquela cara de dor! Engraçado era que ela sentia mais dor em ver a filha sendo morta do que quando a estupramos... essas mulheres! - falou a criatura.
Ana sentiu seu sangue ferver, e as memórias de sua dolorosa morte retornaram à sua mente. Desta vez, ela sentiu seus olhos mudarem de cor, e percebeu que era uma experiência de êxtase esta mudança.
Friamente levantou-se, segurando sua espada com a mão direita; olhava para o chão, e seus cabelos cobriam parte de seu rosto, dando-a uma aparência assustadora.
- Ah é? Engraçado.. hu hu hu... Você me diverte, arrancarzinho de merda. - ela falou. - Era você mesmo quem eu procurava... e que sorte, logo o encontrei! Terei o prazer de estraçalhar isso que você chama de corpo, e de banhar-me com seu sangue...
- Ha! Quem você pensa que é, mulher? Você me estraçalhar? Ha Ha ha! Tome o seu lugar, pois senão eu....
De súbito, e numa velocidade incrível, Ana arranca o braço daquele arrancar, com as mãos, e o joga no chão de areia.
- O que? AAHHHHHRGHHHHHHHH! Sua vadia! Você vai me pagar! - e ele corre em direção de Ana.
Ana fitava-o com tranquilidade, mas sua aparência era assustadora, ampliada pela cor de seus olhos e sua postura de guerreira.
Ele corria em sua direção, e Ana não demonstrava preocupação. Em frações de segundo e através de um rápido movimento da espada, Ana cortou a cabeça do arrancar.
O corpo daquele arrancar, agora sem cabeça, caiu no chão de areia, espalhando o sangue que jorrava das veias cortadas ainda pulsantes.
Fitando o corpo, Ana vai em direção dele; pega a cabeça e joga longe.
- Não deu pra te estraçalhar, que pena. Você era muito barulhento. - disse Ana.
As memórias dolorosas iam esvaindo-se, e Ana sentiu-se desfalecer.
E caiu no chão, desmaiada.
Adrian, que viu tudo do lugar que estava, agora estava com medo de Ana; mas, ao ver ela caindo no chão, desmaiada, correu na sua direção e tentou acordá-la.
- Tia Ana, tia Ana.... Tia Ana... - e ficou assim por alguns minutos, dando leves tapinhas no rosto dela e segurando sua cabeça.
(Continua)